Em retrospecto, acredito que os eventos descritos a seguir vão soar extremamente explicativos e, sob algumas perspectivas mais voltadas para o metafísico, proféticos:
A imagem é borrada, mas vai ficando mais definida, indo do centro pras bordas. Acredito que isso seja apenas efeito de anos e anos de cinema, deixando suas marcas até nas minhas memórias. Aparentemente, até meu processo mental funciona sob regras cinematográficas, cheio de transições, plongeés e contra-plongeés. Anyway, a impressão é difusa, o que é explicado já que aquele é o primeiro momento de auto-consciência real daquele pirralho que ainda não deve ter 4 anos de idade direito. Adultos ao redor, mas nenhum rosto familiar. O equivalente visual ao som da voz da professora do Charlie Brown. O gurizinho no entanto não se sente incomodado com os risos e aqueles olhares voltados pra ele porque ele tem seu amigo ao lado, segurando sua mão. Esta é menos uma memória visual e mais uma memória sensorial, de como eu nosso protagonista se sentia ali.
Enquanto seu amigo estiver ali de mãos dadas com ele, vai estar tudo bem. E os dois se distanciam dos olhares risonhos e vozes mais risonhas ainda em busca de alguma solidão, outra constante na vida do garotinho.
Recentemente, passeando pela Paulista, eu tive que me segurar pra não ter uma crise de choro pública quando, de repente e não mais que de repente, o garotinho, agora um senhor de meia idade, se viu diante do amigo em questão, o que lhe trouxe de volta essa memória de infância, além de alguma compreensão sobre certos padrões que se repetiriam pelas décadas a seguir.
Segue imagem do amigo, de nome Artur.
Então, o guri, ao se sentir desconfortável em frente a pessoas desconhecidas e que aparentavam estar confortáveis DEMAIS perto dele, recorre a seu amigo, um construto não-humano e os dois vão se refugiar no seu universo ficcional que funciona de porto seguro.
Yep… história da minha vida. Oops, eu digo… da vida de nosso personagem 100% ficcional. Minha segunda memória? Um ep. do Ultraman. A terceira? O ep. final de Giant Robo, um tokusatsu que passava no SBT lá pelos idos dos 80.
Novamente, em retrospecto, eu e o plano ficcional temos uma relação de proximidade que vem da alta infância.
Eu sei, eu sei, essa primeira edição do Groselha Express está atrasada, mas eu meio que fazia questão de escreve-la quando estivesse aqui em solo Avareense. Pra quem não sabe, eu sou nascido em SP mas passei quase toda a infância e toda a adolescência e começo da vida adulta aqui em Avaré, cidade do interior, a uns 400 km da capital.
Eu sou viciado em rimas narrativas e tem algo belamente cíclico em começar minha newsletter no mesmo quarto onde, lá pelo final dos anos 90, comecei meus primeiros blogs - de nomes como Simpatia por um anjo, Nerd Nation e Suicídio Coletivo - que viriam a se metamorfosear no meu atual, o Groselha on the rocks (quase 15 anos de existência e ainda ativo).
Lost, através do personagem Desmond e seus problemas de instabilidade espaço-temporais, introduziu no imaginário coletivo a figura da “constante”, aquele elemento que marcou sua vida estando ali durante toda sua trajetória de vida. Minhas únicas constantes são meus pais, obviamente. Minha irmã Grace e minha Stella vêm perto. Mas antes delas, vem o hábito de escrever em diários online.
“If anything goes wrong, Groselha on the rocks will be my constant”.
Mexendo nas minhas coisas aqui no quarto, achei certas capsulas do tempo que se mantiveram quase intocadas nos anos em que estive fora, pequenos mementos de quando passava tardes ouvindo Smiths, Type O Negative e Echo and the Bunnymen deitado na mesma cama em que escrevo agora, fantasiando com o dia em que finalmente iria poder sair daqui e não voltar…
Obviamente, da mesma forma que minha relação com meus pais melhorou horrores depois que eu enfiei quase 500km de distância entre eu e eles, minha relação com essa cidadezinha interiorana tb demonstrou sinais de avanço. Eu sempre achei Avaré uma cidade linda, só que os moradores daqui que zoavam o rolê. Also: eu era um adolescente extremamente sensível e ligeiramente deprimido. Eu enxergava tudo, mesmo os bons momentos vividos aqui, em matizes de cinza. Só não foi pior pq haviam as bancas de jornais e locadoras de vídeo que eu visitava pra conseguir “meu pico” de dopamina que tornava tudo tolerável.
Atualmente, no entanto, depois de duas décadas na capital, eu aprendi a apreciar as belezas do local. O silêncio aqui é ensurdecedor, em contraste à cacofonia metropolitana. O céu? Pqp, maluco. Eu adorava os raros momentos de blackout na cidade, pq eu sabia que era hora de correr pro quintal, olhar pro céu e ver um mar de estrelas impossível de ser contemplado de outra forma.
E novamente, essa é uma cidade linda, verde até perder de vista, mesmo antes de ser elevada à condição de estância turística. Não vou vir aqui com nostalgices e tals, mas claro que bateu certa melancolia quando vi que agora, a cidade já conta com burger king, mcdonalds, pão de açúcar e smart fit. Mas divago.
O horto florestal, outro porto seguro, também é belíssimo…. SE você conseguir ignorar a esquizofrenia do fato de que imediatamente atrás dele, fica a penitenciária de segurança máxima local.
Yep… Você está lá, se divertindo vendo as árvores, o rio, as tartarugas e patos, vira seu olhar em um angulo de 180 graus e é agraciado com a visão de um policial de cara fechada, patrulhando as muralhas da cadeia com sua carabina em riste.
Aliás, sabiam que foi dessa penitenciaria que se originou o PCC? Pois é. Os primeiros líderes da facção se conheceram lá, se organizaram e o resto é história.
Avaré. Cidade do doce de leite e berço da maior organização criminosa do país. Como eu disse, cidade de contrastes.
Queria brisar mais, mas acabou de aparecer uma notificação aqui me avisando que o download do Wrestle Kingdom 17 acabou de acabar, então, é hora de dar tchau pra ver quase 5 horas de violência, dropkicks e pessoas chutando a cabeça do coleguinha.
Pra quem fica, tchau e nos vemos semana que vem…